Uma chinelada! Como as Havaianas reposicionaram sua marca e ganharam o mundo.

Havaianas, todo mundo usa é o slogan que remete a uma das marcas brasileiras mais conhecidas, tanto no Brasil como no exterior. As sandálias Havaianas estão posicionadas como um produto cool, descolado, que serve para qualquer situação e é usado por pessoas de todas as idades e classes sociais. Inclusive pelas celebridades, em seus momentos gente como a gente.

A sandália de borracha, produzida pela Alpargatas desde 1962 é, um produto genuinamente brasileiro que conquistou o mundo. Comercializada em mais de uma centena de países, a Havaianas é uma das marcas brasileiras mais conhecidas e valorizadas no exterior.

Mas nem sempre foi assim. A imagem da marca já foi estigmatizada como a do calçado para pessoas de baixa renda, com poucos atrativos além da resistência e do preço baixo, que muitos considerariam muito difícil de mudar, dado o tamanho do desafio e a quantidade de recursos necessários.

Mas com alterações simples na aparência do produto e uma estratégia de comunicação que incluiu conteúdos feitos para mídia de massa, mídia segmentada e depois mídia digital, as Havaianas deram uma chinelada nos céticos, fazendo com que a marca estigmatizada se tornasse universal, e a partir daí, mais do que sandálias, vendesse lifestyle com um DNA 100% brasileiro.

Não deforma, não solta as tiras e não tem cheiro.

Quem tem mais de 35 anos provavelmente vai se lembrar de quando a marca Havaianas não tinha todo esse glamour. Muito menos dava ao usuário a sensação de pertencimento, ao usar um produto que tem a cara do Brasil e é reconhecido no mundo inteiro. O espaço que a marca  Havaianas ocupava na mente do consumidor era relacionado a um benefício objetivo.  Eram as sandálias resistentes, confortáveis e duráveis, que podiam ser adquiridas por um preço baixo.

Esse posicionamento de marca, resumido em slogans como legítimas, só Havaianas e  não deforma, não solta as tiras e não tem cheiro, repetidos exaustivamente em mídia de massa, como nas geniais peças que tinham Chico Anysio como garoto propaganda, foram suficientes para mudar os hábitos de consumo da classe média, antes adepta de calçados de sola de couro, que adotou as sandálias de borracha.

Com esse posicionamento, durante quase trinta anos as Havaianas dominaram o mercado brasileiro. Para pessoas de baixo poder aquisitivo, eram um calçado possível de se adquirir. Para a classe média, eram os chinelos baratos e confortáveis para se usar em casa, especialmente nos dias de calor. E que não estragavam com a água do mar ou da piscina. Mas não havia nenhum outro tipo de percepção de valor em relação à marca.

Nem todo mundo usa mais as legítimas. E agora?

O final dos anos oitenta e início dos noventa foram uma época difícil para as Havaianas. O posicionamento de marca, que havia funcionado bem por tanto tempo, era agora uma espécie de armadilha. A sandália, sempre fabricada nas mesmas cores e modelos enfrentava a competição do chinelo Rider, fabricado pela Grendene.

O Rider apostou em fazer tudo aquilo que a Havaianas não fazia até então. Diferenciação do produto e um posicionamento de marca relacionado a um benefício mais subjetivo, ligado à imagem que o consumidor quer ter de si mesmo ao usar a marca. Em relação aos produtos, a Rider criou um chinelo de borracha de tira larga, que apelava ao conforto e podia ser usado com meias, um diferencial importante para quem morava em lugares mais frios. 

O posicionamento de marca foi feito através de uma campanha em televisão que trazia celebridades como o jogador de futebol Roberto Carlos, e o piloto Emerson Fittipaldi em situações que associavam o Rider a sucesso e glamour.

Podia-se dizer também que o Rider rejuvenescia, reinventava para uma nova geração, um produto que havia sido sucesso no passado (uma cutucada nas Havaianas?), quando colocava como trilha sonora de seus comerciais, sucessos do passado como “País Tropical” e “ Descobridor dos Sete Mares”, de Jorge Benjor e Tim Maia, em versões de artistas na época mais novos, como Paralamas do Sucesso e Lulu Santos.

O resultado foi que no início dos anos noventa, o Rider chegou a ter uma participação de 20% do mercado brasileiro, vendendo 40 milhões de pares de chinelos de borracha.

As Havaianas nas cordas

O maior choque para as Havaianas não foi somente ver um novo concorrente abocanhar uma fatia tão grande do seu mercado. Foi constatar qual fatia. As pesquisas mostravam que a classe média havia estigmatizado a marca como um calçado para o público de baixa renda, e tendo opções com mais valor percebido, a estavam abandonando.

Vale lembrar que em 1990 começou a abertura econômica, seguida da estabilização da moeda, quatro anos depois. O mercado do Brasil era ,cada vez mais, inundado por produtos importados, que além de mais baratos, eram novidades. E ter mais opções de compra tornava o consumidor brasileiro, de uma maneira geral, mais seletivo e exigente.

Embora não tenha aparecido nenhum concorrente estrangeiro digno de nota no ramo de sandálias de borracha, os executivos das Havaianas certamente consideraram em sua análise de cenário que um produto que estava se transformando em commoditie, cujo único atrativo era o preço baixo, corria um enorme risco. Mesmo que eles não soubessem exatamente de onde ele poderia vir.

As Havaianas contra-atacam

Há pelo menos dois grandes méritos do reposicionamento da marca Havaianas. O primeiro deles foi perceber que a solução do problema estava dentro de casa, com alterações estéticas no produto que já existia. Não em jogar tudo fora e refazer do zero, criando, por exemplo, uma imitação do chinelo Rider, que parecia agradar mais à classe média.

O segundo está na ousadia do objetivo estratégico definido. Estratégias conservadoras, como brigar pelo mercado da classe média e esquecer o público de baixa renda, ou o contrário, focar na baixa renda e esquecer da classe média, seriam defensáveis. Mas as Havaianas decidiram que iriam preservar ou reconquistar posições em ambos os mercados.

O problema era como. O grande risco de tentar se comunicar com públicos-alvo diferentes para vender o mesmo produto é o da disfuncionalidade. Ter uma mensagem que tenta atingir vários alvos, mas não atinge nenhum. Ou causa rejeição em um deles.

E não custa lembrar que era uma época pré-marketing digital. Mesmo que se identificasse as personas ideais, não havia ferramentas tão óbvias para uma estratégia de atração. Existiam mídias de massa, como TV, Rádio, Jornais e Revistas. E as tradicionais mídias segmentadas, que tratavam de assuntos específicos para nichos do mercado.

Outro ponto a ser observado é que reposicionar uma marca significa tentar influenciar a maneira que as pessoas a percebem, o lugar que ela ocupa em suas mentes. É um processo gradual e demorado, que tem um tempo necessário para acontecer na mente de cada consumidor. Então, seria necessário aplicar uma estratégia que teria várias fases.

As Havaianas são Top!

O reposicionamento da marca Havaianas começou quando a marca lançou seu primeiro produto premium, que era exatamente a mesma sandália de borracha, com uma alteração estética e um nome diferente. Assim, em 1994 o público acostumado com a tradicionalíssima sandália de solado branco com tiras azul claro foi apresentado às Havaianas Top, monocromáticas e com várias opções de cores.

A edição 1995 das Havaianas Top, ao invés de novas cores monocromáticas, trouxe novamente um chinelo com solado branco, mas estampado com motivos florais bastante simples. Além de ter novamente feito sucesso, abriu caminho para as inúmeras versões que marca tem hoje. Uma das características mais interessante do produto Havaianas é que ele é como uma folha em branco. Qualquer ideia ou história pode ser colocada no solado e nas tiras. O que torna as possibilidades praticamente ilimitadas.

De popular a pop

Mesmo algum tempo após o lançamento da linha Havaianas Top, todos os públicos-alvo ainda tinham uma imagem da marca como sendo de um produto popular, o que era absolutamente compreensível. Reposicionar uma marca significa tentar influenciar as pessoas para que aquilo que elas sabem e sentem sobre ela mude. Nunca é um processo instantâneo, mas era ainda mais lento para as Havaianas, cujo posicionamento anterior havia sido maciçamente comunicado aos consumidores por décadas.

Era necessário criar uma mensagem que fizesse sentido para todos os públicos-alvo. Para explicar às classes A e B que as Havaianas também eram para elas. E para a classe C, que continuava sendo para ela.

A solução encontrada foi simples e genial: Brincar com o “dogma”.  Ao invés de renegar seu passado, aceita-lo, valorizá-lo e finalmente, ressignifica-lo, utilizando um termo da psicologia.

Foi isso que a marca fez nesse comercial para a TV, de 1997, em que o mesmo Chico Anysio que tinha a imagem associada às Havaianas há décadas, brincava com todos os slogans que ele mesmo havia popularizado. (Assista ao comercial aqui)

A imagem de Chico Anysio acenava para todo o passado da marca. Mas a mensagem a valorizava, contando ao consumidor que as Havaianas tinham algo que seus concorrentes não tinham: História.

A brincadeira com o passado de marca popular, mas acenando para o novo posicionamento universal aparece no comercial estrelado por Thereza Collor, no mesmo ano. Bonita, rica, sofisticada, próxima do poder e principalmente simpática e bem-humorada, ela representava perfeitamente o lugar em que a marca Havaianas buscava estar na mente do consumidor. (assista ao comercial aqui)   

Vale observar que mesmo passados mais de 20 anos, as Havaianas continuam tendo a preocupação de não dar à sua marca o estigma de muito elitizada ou popular, comunicando ao público que o produto é universal, como mostra a campanha todo mundo usa.  

Havaianas: Universal, fashion e cool

Se na mídia de massa a mensagem das Havaianas era a de uma marca universal, para todos os gostos e bolsos, em mídias segmentadas do mercado de moda high end, como Vogue e Marie Claire, o tom da comunicação era um pouco diferente, mas totalmente coerente com o que era veiculado na mídia de massa.

Nessas revistas as Havaianas apareciam em editorias de moda e estilo, junto com peças de marcas valorizadas do mercado fashion. E para reforçar ainda mais a imagem cool, artistas plásticos renomados assinaram campanhas publicitárias veiculadas nessas publicações.

As Havaianas saem do Brasil, mas o Brasil não sai delas.

 No início do século XXI as Havaianas se tornaram oficialmente uma marca global. Hoje, exportam para mais de 100 países, entre eles Estados Unidos, Reino Unido, Japão e Portugal. Nos Estados Unidos, por exemplo, os diversos modelos de flip-flops Havaianas podem ser comprados no e-commerce da marca por valores que chagam a 48 dólares.

Mas mais interessante do que simplesmente ser fabricada no Brasil e exportada para centenas de países, a Havaianas é uma marca que realmente carrega o nome do país. Do mesmo modo que a Harley-Davidson é americana, as Havaianas são brasileiras. Tão associadas ao nosso país quanto o futebol, o carnaval e a Amazônia.

Vale apontar que a Havaianas ousou também em não tomar o caminho mais fácil e rápido no seu brandbuilding para o mercado externo, que seria apelar aos estereótipos mais óbvios do Brasil. Deu tão certo que as sandálias Havaianas são hoje um ícone fashion que pode ser visto nos pés de todo mundo, inclusive no de celebridades como Angelina Jolie.

Isso também ajuda o branding da marca no Brasil, pois apela a um dos sentimentos mais fortes para engajar as pessoas às marcas: O senso de pertencimento. O consumidor brasileiro que sabe o quanto as Havaianas são valorizadas mundo afora sente orgulho de usar essa marca brasileira, pois não temos muitas que são globalmente reconhecidas.

Território Havaianas

A exportação e a consequente internacionalização da marca foram apenas mais uma “chinelada”, ou melhor, passo no caminho da construção da marca Havaianas. Em 2008, no ponto comercial mais nobre se São Paulo, a Rua Oscar Freire, foi inaugurada a primeira loja conceito das Havaianas, dedicada à celebração da marca.

A ideia das lojas exclusivas agradou ao público, tendo se expandido como uma franquia de sucesso, embora a marca não tenha aberto mão da comercialização em outros pontos de venda.

Parcerias e pertencimento

Um dos segredos do sucesso do atual posicionamento da marca Havaianas é o poder que a sensação de pertencimento traz ao consumidor. Além de ter o seu próprio fã-clube, a Havaianas percebeu a força que as grandes marcas de entretenimento têm para engajar o consumidor, lançando edições especiais com temas como Disney, Harry Potter e Star Wars.

Mas a parceira com marcas fortes não se restringiu ao público geek. Fashionistas também foram contempladas. As edições especiais, com detalhes em cristais Swarowski são um grande sucesso, inclusive no Brasil,  apesar do preço alto para uma sandália. Mais valorizadas que elas, somente a edição comemorativa lançada em parceria com a Joalheria H. Stern, com acabamento em diamantes e ouro 18K.

Havaianas além das sandálias

A marca Havaianas se tornou tão forte que permitiu a diversificação de seus produtos para além das sandálias. E é interessante reparar que essa expansão é muito criteriosa, inclusive para preservar a marca. Todos os produtos derivados se relacionam ao original de alguma maneira. São óculos de sol, mochilas, colchões infláveis, toalhas…Itens que se usa em uma ida à piscina ou à praia, junto com as sandálias.

A força das histórias

Apesar de a história de sucesso das Havaianas ter começado off-line, a marca sabe muito bem como utilizar o marketing digital, mais especialmente o branding through content . Como pode ser visto nos blogs da marca em Portugal e nos Estados Unidos. E convém observar que na comunicação para esses consumidores, a Havaianas não tem que se preocupar com um dia ter sido um produto para baixa renda no Brasil. O conteúdo é 100% voltado para moda e estilo de vida.

Conclusão

O case de reposicionamento de marca das Havaianas merece ser estudado e reestudado, porque foi executado com perfeição, tirando-a de uma desconfortável posição de commoditie sem valor percebido a ícone fashion.

Nem tudo o que as Havaianas fizeram pode ser replicado por outras marcas ou empresas. Mas criar o seu próprio editorial de moda em um blog, por exemplo, é um investimento pequeno, que qualquer empresa pode fazer.

O case a tentar se replicar é que as Havaianas fizeram tudo isso sem mudar seu espírito e identidade. Se no mesmo ambiente estiver uma pessoa que comprou o modelo mais simples da sandália e outra que comprou a limitadíssima edição Havaianas H Stern “Diamantes são eternos, havaianas também”, ambas estarão usando um calcado da mesma marca. E todos os presentes saberão disso.

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