Cinemas, teatros, eventos sociais e corporativos, eventos esportivos, shows e casas noturnas foram alguns dos negócios mais prejudicados pela pandemia. No primeiro momento tiveram de interromper atividades por restrições sanitárias e no seguinte, quando puderam reabrir, mesmo com protocolos e limites de lotação, muitas pessoas continuaram com medo de ir a lugares onde houvesse aglomeração.
As medidas de restrição sanitária foram a única ação possível contra uma doença nova e perigosa, sobre a qual quase nada se sabia. E cujos efeitos levaram os serviços de saúde de muitos países, inclusive os mais desenvolvidos, ao colapso, ou à beira dele.
O resultado econômico, porém, foi absolutamente devastador. Não somente para as empresas de entretenimento, mas para toda a cadeia de valor movimentada quando alguém sai de casa para dançar, ir ao cinema, ou assistir a uma peça de teatro ou jogo de futebol, como estacionamentos, restaurantes e muitas outras, que há dois anos aguardam ansiosamente o fim da pandemia. E que receberam um banho de água fria com a variante ômicron.
No setor de entretenimento era quase um consenso que, uma vez levantadas as restrições sanitárias, as pessoas naturalmente perderiam o medo e voltariam a lotar cinemas, teatros, shows, casas noturnas e eventos esportivos. E a vida voltaria ao normal de dezembro de 2019.
Mas, será que essa expectativa vai se cumprir?
De acordo com a The Economist, não.
No artigo de James Freshan, publicado pela revista em 8 de novembro de 2021 Will Pre-Pandemic Behavior Ever Return?” que fez previsões baseadas no índice de normalidade Economist, que mede o quanto 50 países, que correspondem a 76% do PIB e 90% da população mundial, estão, ou não, próximos do comportamento pré pandemia, nem todos os ramos da indústria do entretenimento irão se recuperar com o mesmo vigor ao fim da crise.
Para a maior parte dos negócios de entretenimento, continuará valendo a premissa de que, uma vez superada a crise da Covid-19, o movimento voltará ao normal. Os cinemas, entretanto, terão no máximo 80% do movimento pré-pandemia.
E a causa não será somente uma mudança no comportamento dos consumidores. A pandemia criou também a oportunidade para que as empresas desse ramo, os estúdios de cinema, utilizassem a tecnologia para implementar novas, e agressivas, estratégias para se conectar diretamente com os consumidores.
Como será o setor de entretenimento depois da pandemia.
Para entender como cada setor da indústria do entretenimento vai se comportar após a pandemia, é preciso entender quais estímulos que as pessoas terão para sair e se divertir fora de casa. E se existirão, dentro as expectativas que cada perfil de consumidor tem sobre experiências como ir a cinemas, teatros, shows, jogos de futebol ou casas noturnas, opções que as mantenham em casa.
Para fazer essa análise, é importante compararmos como produtos de entretenimento semelhantes, voltados para o mesmo público, tiveram performances comerciais em um mesmo mercado. E analisar também o quanto o fator medo, o receio de se contaminar, afetou as decisões das pessoas em relação à maneira como iriam se divertir.
Os dados que apresentaremos foram coletados pouco antes de a variante ômicron aparecer e se espalhar pelo mundo. Mas acreditamos que o padrão identificado tenderá a se repetir futuramente.
Porque os cinemas terão menos público no pós pandemia, no Brasil e no mundo.
Segundo o G!, Em 2020 foram vendidos 38.600.000 ingressos de cinema no Brasil, e em 2021, 48.400.000, um crescimento de 25% no público nas salas.
Esses números incluem diversos tipos de filmes, voltados a diversos públicos. Para fazer uma comparação que gere uma conclusão válida, analisaremos as bilheterias de filmes voltados ao mesmo público, bastante similares entre si em relação ao seu potencial comercial.
Por isso, comparamos as performances nas bilheterias brasileiras em 2021 de quatro filmes destinados ao mesmo público: Viúva Negra (bilheteria mundial USD 379,6 milhões ) Shang Chi e A Lenda dos Dez Anéis (bilheteria mundial USD 432,2 milhões) , Eternos (bilheteria mundial USD 384,3 milhões ) e Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (bilheteria mundial USD – 1,6 Bilhão – Mundial – parcial 20/01/22), parceria da Marvel-Disney com a Sony.
Como contextualização, para tentar mensurar como será o comportamento do consumidor no pós-pandemia, colocamos também os números da vacinação e das vítimas fatais da pandemia nas mesmas datas, partindo do pressuposto de que a queda do número de vítimas ajudou a criar uma sensação de normalidade e encorajou as pessoas a saírem de casa.
Bilheteria dos filmes da Marvel -Brasil 2021
Filme data de lançamento bilheteria no Brasil
Viúva Negra 08/07/21 R$ 32.576.945
Situação da Pandemia no Brasil em 8 de julho de 2021
Pessoas com 1 dose da vacina: 85.166.293 – 40,1% da população
Pessoas totalmente imunizadas 30.044.191 14,1% da população
Pessoas com dose de reforço -0
Vítimas datais da pandemia nessa data (média móvel) – 1478
Filme data de lançamento bilheteria no Brasil
Shang Chi 02/09/2021 R$ 37.833.371
Situação da Pandemia no Brasil em 2 de setembro de 2021
Pessoas com 1 dose da vacina: 137.897.705 64,9% da população
Pessoas totalmente imunizadas 64.905.651 30,5% da população
Pessoas com dose de reforço -282 menos de 1% da população
Vítimas datais da pandemia nessa data (média móvel) – 629
Filme data de lançamento bilheteria no Brasil
Eternos 04/11/21 R$ 66.800.000
Situação da Pandemia no Brasil em 4 de novembro de 2021
Pessoas com 1 dose da vacina: 160.056.071 75,3% da população
Pessoas totalmente imunizadas 117.929.773 55,5% da população
Pessoas com dose de reforço -9.518.430 4,5% da população
Vítimas fatais da pandemia nessa data (média móvel) – 234
Filme data de lançamento bilheteria no Brasil *12/01/22
Homem Aranha 16/12/2021 R$264.130.000
Situação da Pandemia no Brasil em 16 de dezembro de 2021
Pessoas com 1 dose da vacina: 165.279,022 77,8% da população
Pessoas totalmente imunizadas 141.175.069 66,4% da população
Pessoas com dose de reforço -22.280.659 10,5% da população
Vítimas fatais da pandemia nessa data (média móvel) – 135
Fontes:
Universidade John Hopkins https://github.com/CSSEGISandData/COVID-19
Our Wolrd in Data https://ourworldindata.org/covid-vaccinations?country=BRA
Porque os cinemas não recuperarão seu movimento pré-pandemia
Seria uma conclusão óbvia que Viúva Negra teria sido prejudicado por ter sido lançado antes, com menos pessoas vacinadas. Mas é uma conclusão que não se sustenta, já que filmes como, por exemplo, Velozes e Furiosos 9, levaram muito mais gente às salas de cinema, e foram lançados antes, com a pandemia apresentando números mais desanimadores para quem estava na dúvida se ia, ou não, ao cinema.
O que ocorreu foi que Viúva Negra foi lançado simultaneamente no Disney+, serviço de streaming da Disney, e nos cinemas do mundo inteiro, e isso teria prejudicado a bilheteria do filme, que apesar de ter dado lucro, teria sido decepcionante para os padrões da Marvel.
Alguns veículos de imprensa chegaram a noticiar que Viúva Negra havia flopado, como se diz quando um filme fracassa nas bilheterias, e viram no movimento da Disney um grande erro estratégico ou uma espécie de admissão de fracasso, já que a ida rápida ao streaming lembrou o que ocorria no passado com os filmes que iam mal nas bilheterias: ficavam pouco tempo em cartaz e logo apareciam nas prateleiras das locadoras.
O movimento da Disney também não foi muito bem compreendido pela estrela Scarlet Johansson, que chegou a processar a empresa, para depois fazer um acordo, alegando quebra contratual e prejuízos, já que seu contrato incluía um percentual da bilheteria do filme.
Streaming x cinema
Entretanto, seria estranho uma empresa como a Disney, que mudou o jogo do cinema comercial com seu MCU – Universo Cinematográfico Marvel, cometesse um erro tão primário. E realmente não cometeu. Na verdade, confirmou sua capacidade de realizar uma grande mudança disruptiva no negócio do entretenimento.
A Disney mudou o jogo no negócio cinema, novamente. Não foi coincidência que no fim de semana em que Viúva Negra estreou ,a plataforma de streaming Disney+ tenha arrecadado 600 milhões de dólares, boa parte disso, provavelmente, de pessoas que desejavam estar entre os primeiros a ver Viúva Negra.
Streaming é arma dos estúdios em disputas comerciais com exibidores
O lançamento de Viúva Negra simultaneamente no Disney+ e nos cinemas foi um experimento sobre como os fãs reagirão no futuro, sem uma pandemia para justificar, a um lançamento muito aguardado feito também no streaming. Ou somente nele, se a Disney considerar que a divisão das receitas de bilheteria com as salas de cinema deva ser renegociada.
Nos Estados Unidos, por exemplo, as bilheterias costumam ser divididas na proporção de 60% para os estúdios e 40% para os cinemas. O streaming, especialmente para uma empresa como a Disney, que possui sua própria plataforma é uma maneira de chegar diretamente aos consumidores finais, ou a uma parte deles. eliminando um intermediário com poder de negociação da cadeia de valor.
Os limites da mudança disruptiva no cinema
A televisão e o videocassete, quando surgiram, foram considerados ameaças às salas de cinema. Mas nem eles, nem outras tecnologias que surgiram com a promessa de oferecer a experiência do “cinema em casa” mataram o cinema. E não será o streaming que vai matar, porque existe a questão da experiência oferecida e do perfil dos consumidores. Para uma parcela deles, tanto faz assistir um filme no cinema ou em casa. É esse nicho de mercado que um estúdio como a Disney pode atender diretamente através do streaming, ficando com 100% da receita.
Entretanto, existe uma outra fatia do mercado que não enxerga no streaming um substituto para a ida ao cinema. E não falamos somente dos fãs mais fervorosos de franquias como como Marvel , Star Wars e Harry Potter, que chegam a ir ver os filmes vestindo camisetas temáticas ou até fazendo cosplay, se fantasiando como os personagens dos filmes, em uma experiência socialmente mais intensa, que inclui ver e ser visto, ao vivo e nas redes sociais.
Para a grande maioria do público, ir ao cinema é um passeio que inclui pipoca, refrigerante, doces, almoços, jantares…e estar ao lado de outras pessoas. Uma experiência que o streaming não tem como suprir.
Porque shows, teatros e casas noturnas voltarão ao normal quando for seguro
A mesma razão que explica porque as salas de cinema vão atrair menos público, mas continuarão existindo, explica a razão porque shows, teatros e casas noturnas devem retornar ao normal quando a pandemia acabar: A experiência remota não é, pelo menos por enquanto, uma substituta à altura do evento presencial. Da coisa real.
O grande exemplo disso são as lives de artistas conhecidos, que pipocavam às dezenas no início da pandemia. Quando acabou o fator curiosidade, o fenômeno perdeu a força. Por mais que tenha sido interessante assistir nas redes sociais ao artista preferido cantando da cozinha da própria casa, ou até em um palco com produção mais sofisticada, as lives são um substituto pobre, incompleto, para o evento ao vivo, a coisa real, que oferece muito mais que o conteúdo em si. E a mesmo vale para teatros, eventos esportivos e casas noturnas.
Conclusão e tendências de médio e longo prazo
Com a diminuição do público nas salas de cinema, diminui também todo o fluxo de pessoas que consumia uma série de serviços quando ia ao cinema, como por exemplo, nos shopping centers. Para que não somente as salas de cinema, como essas empresas sobrevivam no longo prazo, é preciso que elas entendam a razão que faz com que as pessoas saiam de casa e vão assistir a um filme ali, e não em casa, no streaming: A experiência, que deve ser cada vez melhor, e valer o preço pago pelo ingresso.