O Calendário Pirelli chamou a atenção para a marca de um produto para o qual ninguém liga

O Calendário Pirelli chamou a atenção para a marca de um produto para o qual ninguém liga

Você sabe qual a marca do pneu do seu carro? Talvez até se lembre do quanto pagou por ele, se acabou de comprar um, mas a grande maioria das pessoas não sabe, apesar de ser um item muito importante para a segurança. Por isso o Calendário Pirelli é um case tão interessante em marketing de conteúdo. Ele chama atenção para a marca de um produto para o qual ninguém liga.

Qual é o objetivo  de marketing do calendário Pirelli

Desde 1900 a concorrente francesa da Pirelli, a Michelin, já fazia sucesso com seu guia Michelin,  que mostrava onde as se poderia comer, dormir e consertar pneus viajando de carro por uma França que tinha menos de 3.000 automóveis, que disputavam a preferência dos consumidores com bicicletas, ou veículos de tração animal, como carroças e charretes.

Em 1964, ano em que surgiu o Calendário Pirelli, o contexto e o desafio de marketing para a indústria de pneus eram totalmente diferentes, tanto que o próprio Guia Michelin já havia se tornado o prestigiado guia gastronômico que é hoje. A questão era como chamar a atenção para um produto para o qual ninguém ligava.

Pneus mais seguros por serem mais aderentes ao solo, mais resistentes a danos ou menos sujeitos à aquaplanagem já eram o resultado de muito tempo e dinheiro investido em P&D – Pesquisa e Desenvolvimento, pelos fabricantes, em parceira com as montadoras de veículos, em cenários em que eram altamente exigidos, como por exemplo, nas corridas de Fórmula 1. Mas eram, e continuam sendo, produtos sem nenhum charme.

O objetivo de marketing do Calendário Pirelli, então, era criar percepção de valor sobre uma marca, com um produto que não  ajudava em nada.

O calendário Pirelli já utilizava gatilhos mentais

O Calendário Pirelli foi lançado  em 1964 quando um dos executivos de marketing da divisão britânica da empresa, Robert Forsyth, se debruçava sobre esse problema. E concluiu que uma boa solução para resolver a questão da falta de percepção de valor sobre a marca dos Pneus Pirelli seria utilizar o que hoje conhecemos como gatilhos mentais, no caso o da afeição.

A premissa do Calendário Pirelli é que se a maioria das pessoas não estava preocupada com os atributos do produto que iria adquirir, seria criada percepção de valor sobre a marca com base na afeição, por associação, com um material de bom gosto, mesmo que o conteúdo não tivesse  uma conexão direta com o produto, e dessa maneira, tornar a marca Pirelli mais presente na mente dos consumidores.

Fazendo do calendário de borracharia uma obra de arte

Calendários trazendo, além dos meses do ano, mulheres bonitas em poses sensuais não eram exatamente uma novidade. Existiam desde a década de 30, sendo encontrados nas paredes de oficinas mecânicas e borracharias. O que o Calendário Pirelli trouxe de diferente foi transformar um conceito associado à uma forma de sensualidade mais vulgar em obras de arte.

Segundo disco dos Beatles inspirou o Calendário Pirelli

Foi observando a capa de With The Beatles, segundo álbum disco dos Beatles, que trazia uma   fotografia em branco e preto de Jonh Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr que Forsyth entendeu que para criar a percepção de valor necessária, a questão não eram quem era fotografado, mas como!

O jogo de luz e sombra utilizado na foto da capa de With The Beatles trazia sofisticação e refinamento às imagens dos quatro Beatles, que, apesar de deixarem as fãs enlouquecidas, não tinham o que se poderia chamar de pinta de galã. E foi por causa desse trabalho que o inglês Robert Freeman foi escolhido para fotografar a primeira edição do Calendário Pirelli.

Ao invés de utilidade, glamour e lifestyle

O resto, literalmente, é história. E a grande novidade em matéria de marketing de conteúdo,  principalmente se comparado com a maneira que o conceito havia sido criado pela John Deere, em The Furrow , e depois utilizado pela concorrente Michelin em seu guia, é que a utilidade prática do material, ver dias e meses do ano, pouco fazia parte da proposta de valor. O Calendário Pirelli era, e é, puro glamour e lifestyle.

Ser uma das pessoas que recebe o cobiçado item de presente do fabricante diz algo sobre essa pessoa. É como ser convidado para a festa que todos querem ir.

Calendário Pirelli se tornou uma obra de arte cobiçada

Embora a empresa não venda o Calendário Pirelli, o distribuindo a um público seleto, ele se tornou uma obra de arte cobiçada. A edição lançada em janeiro de 2023 é revendida por alguns felizardos que a receberam por mais de R$4.000,00. E edições antigas, dependendo da sua raridade, são vendidas em leilão.

Como o Calendário Pirelli se adaptou às mudanças da sociedade

No primeiro calendário Pirelli, de 1964, as modelos escolhidas para posar para Robert Freeman foram Jane Lumb, Sonny Drane e Marisa Forsyth. Embora não houvesse nudez nas imagens clicadas em Maiorca, na Espanha, elas eram, definitivamente, sensuais. E não, havia, como não há, nada de errado com isso.  

O Calendário Pirelli conseguiu seu objetivo de posicionar como uma obra de arte que transmite valor à marca que a patrocina.  Entre as modelos e celebridades que já foram clicadas em suas páginas, estão Cindy Crawford, Naomi Campbell e as brasileiras Isabelli Fontana e Gisele Bündchen. Entre as atrizes estão Cher e Emma Watson.

Em 1998, o Calendário Pirelli trouxe pela primeira vez imagens de homens, mas ao invés dos óbvio modelos masculinos, trouxe personalidades importantes da indústria cultural, como o  bluesman  BB King, o ator Ewan McGregor e o vocalista do U2, Bono Vox.

Em 2014, apresentou pela primeira vez uma modelo Plus Size, Candice Huffine, 29 anos na época, que com seu 1,80 metro de altura, 90 quilos e quase 90 centímetros de cintura, diferia bastante dos padrões da indústria da moda.

Já em 2016 trouxe a artista plástica Yoko Ono, a cantora Patti Smith, a tenista Serena Williams e a CEO da LucasFilm, responsável pela marca Star Wars, que atualmente pertence à Disney, Kathleen Kennedy, com o objetivo de homenagear mulheres que eram profissionais relevantes em suas áreas de atividade.

O Calendário Pirelli foi protagonista de mudanças para não ser atropelado por elas

O Calendário Pirelli sempre foi muito mais sobre uma forma de arte, no caso, a fotografia, agregando valor à uma marca, do que uma exposição de sensualidade, embora a sensualidade, especialmente a feminina, indubitavelmente faça parte da composição da obra de arte.

Mas não se pode esquecer que a primeira edição foi publicada em 1964. O mundo vivia o contexto da chamada Revolução Sexual, e um produto como esse não era somente artístico e charmoso. Ele tinha um ar transgressor que o tornava a percepção de valor sobre a marca e o seu posicionamento ainda mais fortes.

Passados quase 60 anos, muita coisa mudou, inclusive a percepção da sociedade sobre como as marcas utilizam a exposição do corpo feminino.

O que permitiu ao Calendário Pirelli sobreviver como um produto de marketing de conteúdo relevante, e que dá muito retorno à marca que o patrocina é que se trata de uma obra de arte feita com imagens de pessoas.

Por isso, quando teve de se adaptar aos conceitos de diversidade e representatividade, que mudaram de 1964 para 2023, conseguiu fazer isso naturalmente, sem ter de se descaracterizar para isso, sendo protagonista das mudanças, ao invés de ser atropelado por elas

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