He-Man foi um dos personagens icônicos da TV durante a década de oitenta, gerando muito dinheiro para a Mattel e criando uma marca presente no imaginário das pessoas até hoje. Mas esse grande sucesso comercial surgiu para corrigir um erro. Neste artigo, contaremos os bastidores da criação de He-Man e os defensores do Universo e como um grande erro da Mattel originou um de seus maiores sucessos.
A força da marca He-Man and The Masters of The Universe
A força da marca criada pela Mattel é tão grande que, mesmo quando a Mattel não lançou nenhum produto relacionado aos personagens, inclusive porque a superexposição havia gerado um desgaste, eles permaneceram presentes no imaginário das pessoas, “estrelando” memes divertidíssimos, da mesma maneira que acontece até hoje.
A força dos memes
Em um primeiro momento, ser tema de memes pode parecer uma coisa negativa, como, por exemplo, as pessoas que até hoje injustamente associam Rubens Barrichello a “atraso”, mas não é o caso com os personagens de He-Man.
Eles já eram originalmente criados para o público infantil, pré-adolescente. Ao serem utilizados para memes, indica que eles têm um espaço na memória afetiva das pessoas. Caso contrário, elas não entenderiam a referência. E mesmo aqueles que não têm idade para ter assistido aos desenhos animados exibidos todas as manhãs acabam sendo apresentados aos personagens por esses memes.
A volta de He-Man, 40 anos depois
Essa tese de a marca continuar forte se comprovou pela parceria feita pela Mattel com a Netflix para lançar uma nova série de animações, mas em duas versões: uma para o público que hoje é adulto, mas ainda se lembra do personagem, e outra destinada ao público infantil, para conquistar uma nova geração de fãs.
Personagens que se tornam marcas e produtos
Desde que a cultura pop foi praticamente criada por Walt Disney, que produzia o seu conteúdo inicialmente por animações e depois por live-actions, e os personagens dessas narrativas ficcionais passaram a gerar receita em outras formas de negócio, como os quadrinhos e parques temáticos da própria Disney, ou licenciados para uma série de outros produtos, como brinquedos e roupas, essa passou a ser uma estratégia de marketing comum.
Os executivos já sabiam há muito tempo da eficiência das narrativas de ficção como parte de uma estratégia de marketing para vender produtos ou serviços. Em 1903, a escritora e ilustradora inglesa Beatrix Potter, vendo o sucesso de seu livro infantil Peter Rabbit – Pedro, o Coelho, criou e patenteou um boneco de pelúcia do personagem, sendo o primeiro caso que conhecemos de licenciamento de produtos.
E, quando falamos de personagens de histórias de fantasia, essa estratégia é quase óbvia. Se, em um filme como Easy Rider, as motos Harley-Davidson aparecem no storytelling porque fazem parte do contexto dos personagens, quando falamos de brinquedos, os produtos que serão apresentados ao público são os personagens.
Onde a Mattel inovou com He-Man, entretanto, foi em realizar o caminho oposto. Ao invés de criar um personagem para depois licenciá-lo como uma marca de sucesso para uma série de produtos, algo que deu excelentes resultados, por exemplo, para o grupo Kiss, a Mattel era uma fabricante de brinquedos que criou seus próprios personagens.
Somente depois que o personagem estava criado e os brinquedos prontos para serem vendidos, o conteúdo que iria vendê-lo seria planejado e produzido.
A origem da Mattel
A Mattel é uma empresa da Califórnia fundada em 1945 e que, desde que lançou a boneca Barbie, em 1959, se tornou uma das maiores fabricantes de brinquedos do mundo.
O grande erro da Mattel
Quando descrevemos a estratégia de marketing genial da Mattel para lançar He-Man and The Masters of The Universe, parece incrível que tudo tenha sido feito na base do susto e do improviso, mas foi exatamente isso o que aconteceu quando, em 1976, o CEO da empresa, Ray Wagner, não enxergou uma grande oportunidade e não quis fechar um acordo de licenciamento com George Lucas para produzir os brinquedos do filme que ele lançaria no ano seguinte, Star Wars.
He-Man x Star Wars
Star Wars parecia novo demais, diferente demais, estranho demais. Não parecia valer o investimento pedido, e quem acabou fechando esse contrato foi a Kenner, uma concorrente da Mattel.
Como todos sabemos, entretanto, Star Wars se tornou um fenômeno mundial, que revolucionou a indústria do cinema e quase todas as indústrias relacionadas à cultura pop, como os brinquedos, chegando ao status de mitologia moderna que tem hoje. E o resultado foi que, nos anos seguintes, a Mattel começou a perder participação de mercado.
A Mattel entendeu seu erro e percebeu que, para recuperar sua participação de mercado, precisaria de produtos que estivessem ligados a conteúdos com histórias poderosas, que o público amasse.
Aventuras espaciais + Espada e Magia: A fórmula de He-Man
A Mattel entendeu o que precisava fazer e estava disposta a não perder uma nova oportunidade quando ela surgisse.
Star Wars havia virado uma febre mundial, e praticamente todos os produtores de conteúdo para TV e cinema lançaram as suas aventuras espaciais. E surgiram séries de TV como Battlestar Galactica e Buck Rogers, e adaptações cinematográficas para os quadrinhos de Flash Gordon e para o clássico livro de Frank Herbert, Duna.
Apesar de terem feito um sucesso razoável, nenhum deles se comparava a Star Wars em popularidade, a ponto de o licenciamento das marcas ajudar a Mattel a recuperar sua participação de mercado.
Foi quando a empresa decidiu parar de esperar que surgisse um novo Star Wars e decidiu criar seus próprios personagens.
He-Man surgiu quando a Mattel resolveu fazer uma mistura que poderia ser estranha: os elementos de ficção científica da obra de Lucas com outro tema popular naquela época: as aventuras de espada e magia de Conan, o Bárbaro, personagem dos livros de Robert E. Howard, adaptado para os quadrinhos em histórias escritas por Roy Thomas, desenhadas por vários ilustradores de primeira linha e publicadas pela Marvel.
He-Man x Conan – Um caso de plágio?
Na época em que resolveu produzir seu próprio personagem, a Mattel negociava o licenciamento da marca de Conan para produzir brinquedos inspirados no filme Conan, The Barbarian, com Arnold Schwarzenegger, mas acabou desistindo porque a história era muito violenta para o público infantil que ela pretendia atingir.
A Mattel chegou a ser processada por plágio pelos donos dos direitos de Conan. E, dando uma opinião extremamente pessoal, realmente é possível encontrar algumas similaridades entre He-Man, Teela e o vilão Esqueleto, personagens de Mestres do Universo, com Conan, Sonja e o vilão com cara de caveira Thulsa Doom, criados por Robert E. Howard.
Independentemente dessa constatação, a Mattel acabou ganhando o processo e já tinha seu próprio universo de aventura e fantasia para vender seus brinquedos, sem se preocupar em pagar royalties de personagens. Mas o caminho do sucesso não seria tão fácil assim.
Mark Ellis, o herói corporativo que criou a estratégia de marketing de Mestres do Universo
Antes de lançar o produto, Mark Ellis, executivo da Mattel, apresentou He-Man, Esqueleto e os outros personagens a alguns dos grandes varejistas de brinquedos dos Estados Unidos, e tudo ia muito bem, até que um deles comentou que os brinquedos de Star Wars vendiam bem porque as crianças conheciam e amavam os personagens que viam nos filmes. E qual seria a estratégia de marketing da Mattel?
A verdade é que a Mattel não havia pensado em nada além da publicidade normal para o seu novo produto. Mas Ellis pensava rápido e respondeu que haveria uma história em quadrinhos gratuita, contando a história dos personagens.
O varejista se convenceu, e a Mattel imediatamente contratou o ilustrador Alfredo Alcala – um dos que já havia trabalhado em Savage Sword of Conan – e o escritor Donald F. Glut para criar os quadrinhos, apresentar o He-Man ao público e tornar verdade a história que Ellis tinha inventado na hora.
Tudo ia muito bem com a criação da história em quadrinhos, e a estratégia parecia fazer sentido. Mas outro varejista questionou Ellis sobre as crianças menores, que ainda não sabiam ler ou não tinham o hábito, não consumindo conteúdo em forma de quadrinhos.
Ellis novamente pensou rápido e respondeu que haveria um desenho animado para isso, deixando outro varejista satisfeito. Imediatamente a Mattel procurou um produtor de conteúdo que pudesse transformar a promessa em realidade, e a escolhida foi a Filmation, que já tinha produzido animações de personagens como Tarzan, Shazam, Aquaman, Superman e Batman.
Conteúdo direcionado ao público infantil
Produzir conteúdo para o público infantil exigia cuidados adicionais com as mensagens que eram passadas, especialmente na questão de não parecer que incentivava a violência.
Por isso, na série clássica nunca vimos He-Man socar seus inimigos ou usar sua espada contra eles. Mas um desenho de ação precisava ter combates. Então ele só utilizava movimentos de luta agarrada, como o wrestling, que é muito popular nos Estados Unidos.
E, como um esforço adicional para mostrar o conteúdo como adequado para crianças, no final do episódio um dos protagonistas sempre aparecia explicando a moral da história, uma característica bem marcante do desenho, que até hoje inspira inúmeros memes que circulam na internet.
A estreia de He-Man
Depois de tantos improvisos, He-Man and The Masters of The Universe estreava nos Estados Unidos em 1982 e se tornou um fenômeno mundial, estreando no Brasil em 1983 como He-Man e os defensores do universo.
Mudança de mindset: de fabricante de brinquedos a produtora de conteúdo
A expectativa da Mattel com os produtos do He-Man era de lucrar 13 milhões de dólares no primeiro ano, mas os resultados foram espetaculares: 38 milhões. E não parou aí. Em 1986, os lucros somados já atingiam 400 milhões de dólares.
Isso aconteceu porque, em pouco tempo, com uma estratégia de marketing desenvolvida no improviso, praticamente trocando o pneu com o carro andando, a Mattel mudou o seu mindset, deixando de ser uma fabricante de brinquedos que licenciava marcas de sucesso para uma marca que produzia conteúdo e vendia os produtos relacionados a esse conteúdo.
A partir de então, a produção de conteúdo se tornou uma estratégia da Mattel para vários produtos que ela lançou, que vieram acompanhados de séries de desenhos animados.
A Mattel só não havia conseguido um grande sucesso no cinema, já que Masters of The Universe, o live action lançado em 1987, com Dolph Lundgren como He-Man e Frank Langella como Esqueleto, não agradou ao público e as bilheterias foram baixas. O que chamaríamos hoje de flop, embora tenha adquirido um status cult com o passar do tempo.
Como a Barbie abriu caminho para um novo live action de He-Man
A ideia de um novo live action de He-Man voltou à mesa em 2023, quando o live action da boneca Barbie, com Margot Robbie como Barbie e Ryan Gosling como Ken, fez uma bilheteria mundial de mais de 1 bilhão de dólares.
O resultado foi bom o suficiente para a Mattel decidir produzir um novo live action de He-Man, o produto que mudou a história da empresa. O elenco contará com Nicholas Galitzine no papel principal, Jared Leto como Esqueleto, Alison Brie como Maligna, Sam C. Wilson como Mandíbula, Kojo Attah como Triclope, Morena Baccarin como Feiticeira, Hafthor Bjornsson como Aríete e Camila Mendes como Teela.
Conclusão
A história de He-Man mostra que grandes marcas não nascem apenas de grandes planejamentos, mas também da capacidade de reagir rapidamente a erros, aprender com eles e transformá-los em estratégia. Ao perder Star Wars, a Mattel foi forçada a repensar seu papel no mercado e acabou criando algo ainda mais valioso: um universo próprio, com personagens, narrativa e identidade capazes de sustentar produtos por décadas.
Mais do que um case nostálgico, He-Man é um exemplo claro de como conteúdo, storytelling e marca precisam caminhar juntos. Quando personagens se tornam parte da memória afetiva do público, eles deixam de ser apenas produtos e passam a ser ativos culturais. É essa força que permite atravessar gerações, sobreviver a períodos de silêncio e voltar com relevância.
Se a Mattel conseguir respeitar a essência do personagem e compreender que o verdadeiro valor está no universo construído ao redor dele — e não apenas no formato ou na tecnologia — He-Man tem tudo para repetir no cinema e no licenciamento o sucesso que já alcançou na TV e nos brinquedos. Afinal, quando uma marca entende quem ela é, o tempo deixa de ser um inimigo e passa a ser um aliado.

