Estratégia de Marketing da Netflix para vencer a guerra do streaming

Netflix, Disney +, Amazon Prime, Max (HBO) são as principais plataformas de streaming a disputar o mercado e o gosto do consumidor no mundo. No Brasil, podemos acrescentar a Globoplay. Mas enquanto algumas delas demonstram lucros expressivos, outras apresentam grandes prejuízos. Nesse artigo, vamos falar sobre qual é a estratégia de Marketing da Netflix para vencer a guerra do streaming.

A Guerra do Streaming – Netflix Vs. Disney Plus Vs Amazon Prime Vs Max

Em agosto de 2022 a Disney anunciou, com toda a pompa e circunstância, que somando sua plataforma Disney Plus com o Hulu e ESPN Plus havia alcançado 221 milhões de assinantes no mundo, assumindo a liderança do mercado, superando os 220,6 milhões que a Netflix, se tornando, se não a maior marca, a empresa de streaming com maior número de clientes no mundo.

Mesmo considerando que a Netflix foi a empresa que criou o mercado de streaming no mundo, parecia inevitável que a Disney começasse a “nadar de braçada” nesse mercado, por ser a dona de várias das marcas mais relevantes da indústria do entretenimento, como Marvel, Star Wars, Pixar e a sua própria. Amazon Prime e a própria Max corriam por fora.

A própria decisão da Netflix de criar um plano mais barato, mas que incluía publicidade paga, quebrando o paradigma e a proposta de valor que ela mesma criou para o streaming, muito relacionada ao marketing de atração, de o consumidor poder assistir o conteúdo que quiser, quando quiser, sem ser interrompido por publicidade, parecia indicar o desespero de uma empresa que precisava fazer caixa, temendo ser atropelada pelo “rolo compressor da Disney”.

O próprio fato de o Disney Plus crescer absurdamente e a Netflix perder assinantes em 2022 indicava isso. A Disney era dona de algumas das marcas de melhor posicionamento no mercado de entretenimento, verdadeiros fenômenos culturais, enquanto a Netflix perdia assinantes.

As tendências e expectativas mudaram brutalmente em um período muito curto de tempo. Segundo a Forbes, a Disney perdeu até o momento, mais de 11 bilhões de dólares com o Disney Plus, e o resultado da empresa, somando todos os seus negócios, apresentou um  prejuízo de 460 milhões de dólares em 2023.

Comparativamente, a Warner, que é dona do Max, embora tenha menos de 100 mil assinantes no mundo, segundo a Revista Exame, fechou 2023 com um lucro de 103 milhões de dólares. O Amazon Prime, embora ainda não seja um negócio lucrativo quando analisado independentemente, caminha para sê-lo. E como a Amazon como um todo fechou 2023 com um lucro de 30,4 bilhões de dólares, não tem muito com o que se preocupar.

Finalmente, a título de comparação, o brasileiro Globoplay também apresentou prejuízo, não confirmado, mas que segundo o Metrópoles, é estimado entre 11 e 16 bilhões de reais.

Por que a estratégia de Marketing da Netflix deu certo

Para entender porque a estratégia de Marketing da Netflix deu certo, se refletindo em um lucro, posicionamento de marca forte e retomada da liderança de mercado , ganhando 9,33 milhões de assinantes em 2024, chegando a 260 milhões, alguns pontos foram o seu grande diferencial: O plano de assinatura com anúncios, o fim do compartilhamento de senhas e, principalmente, o conhecimento do negócio e de que o conteúdo é um ativo que tem valor.

Plano de assinaturas com anúncios da Netflix

O plano de assinaturas com anúncios da Netflix, quando foi anunciado, provocou muitos protestos dos consumidores e desconfiança no mercado, porque a proposta de valor de um serviço de streaming, um conceito que a própria Netflix foi responsável por difundir, é de assistir o que quiser, quando quiser, sem ser incomodado por publicidade interruptiva.

Não há dúvidas de que assistir um filme ou série sem anúncios é uma experiência muito mais agradável para o consumidor, mas o fato de que 40 milhões dos assinantes da Netflix no mundo, optaram por essa modalidade prova, além de qualquer contestação, que a empresa fez a leitura correta do mercado e das necessidades do consumidor. E ao fazer isso, ela não abriu mão de um consumidor premium, que prefere o plano sem publicidade.

Os principais fatores que influenciaram a estratégia de marketing da Netflix para lançar o plano com anúncios, que no Brasil custa menos da metade de um plano premium foi se adaptar às condições de compra de um número considerável dos consumidores, inclusive os de renda mais baixa, e o aumento da concorrência.

Quando a Netflix surgiu, e era a única plataforma de streaming, é razoável supor que ela tinha um peso muito pequeno dentro de um orçamento familiar. Hoje, somados os custos com a internet nas residências, e a assinatura das várias plataformas, que competem entre si, mais com conteúdo do que com preços, ter um plano mais acessível é uma excelente oportunidade de ter mais assinantes, sem falar que a publicidade é uma fonte extra de receita.

Fim do compartilhamento de senhas da Netflix

Uma das estratégias da Netflix para aumentar seu faturamento e lucratividade foi o fim do compartilhamento de senhas. Basicamente, antes disso, um usuário poderia compartilhar seu login e senha com outros, que não iriam pagar para assistir ao conteúdo.

Segundo o NeoFeed, em 2022,quando a Netflix tinha 223 milhões de assinantes pagantes, uma estimativa de 100 milhões de outros usuários assistiam ao conteúdo sem pagar por ele, sendo geralmente parentes ou grupos de amigos.

A estratégia foi considerada arriscada por muitos no começo, inclusive por causa das reclamações nas redes sociais. Mas os números falam por si. Embora não tenhamos como aferir quantos dos 40 milhões de novos assinantes pagantes sejam resultado da estratégia de marketing da Netflix de impedir o compartilhamento de senhas e lançar um plano mais acessível, é inegável que ela se pagou.

História da Netflix explica seu sucesso e visão de negócio

A História da Netflix começa em 1997, como uma locadora de DVDs pelo correio, fundada por Reed Hastings e Marc Randolph, em 1997. Um ano depois, em 1998, foi lançado o site da companhia, e em 1999 começou um serviço de assinatura, em que os DVDs poderiam ser alugados sem um limite de quantidade mensal ou multa por atraso.

O Streaming surgiu somente em 2007, como uma evolução do conceito. A Netflix entendia que o seu negócio não era alugar mídias físicas, mas conteúdo, e o surgiu como uma evolução desse conceito.

Estratégia de marketing da Netflix foi disruptiva, porque ninguém acreditava em streaming

Transmitir conteúdo de filmes online era algo teorizado desde que a internet se popularizou, mas nunca tinha sido viabilizado como negócio, por limitações tecnológicas e por uma questão cultural.

Inclusive, foi por isso que no começo a Netflix tinha em seu catálogo algumas das marcas e conteúdos mais valiosos, que pertencem aos seus concorrentes, como Star Wars, Harry Potter, Marvel e outras.

O risco da inovação, de criar o mercado de streaming, de educar as pessoas a consumirem conteúdo audiovisual dessa forma e de superar todas as limitações tecnológicas e de infraestrutura, como esperar que houvesse internet rápida em lugares suficientes, não somente nos Estados Unidos, mas no mundo, era todo da Netflix.

Tudo o que as grandes produtoras de conteúdo audiovisual precisavam fazer era licenciar para a Netflix produtos que já tinham se pago há muito tempo, com exibições em cinema, home vídeo e TV.

Muito do sucesso da estratégia de marketing Netflix veio do modelo de negócios das locadoras de vídeo

É amplamente conhecida a história de como a Blockbuster, que era a maior locadora de vídeo do mundo teve a oportunidade de comprar a Netflix, mas deixou escapar. E alguns anos depois o streaming tornou a experiência de alugar um DVD tão anacrônica que essa indústria desapareceu.

Mas muitos pontos da estratégia de marketing da Netflix, inclusive sobre os riscos e ameaças inerentes ao negócio, vieram de situações que o finado mercado das locadoras de vídeo enfrentou, e que foram responsáveis por muitos problemas antes que o surgimento do streaming decretasse o seu fim.

Esse conhecimento, aliado a uma avaliação correta de riscos, tendências e do comportamento do consumidor ajudaram a Netflix a tomar decisões corajosas, para navegar por um ambiente de transformação digital que para outras indústrias de conteúdo, como o jornalismo tradicional ou a música, foi catastrófica.

Combater a Pirataria

A Netflix sabia que uma das ameaças que o mercado de onde ela nasceu enfrentou era a pirataria, ou seja, as pessoas consumirem conteúdo sem pagar por ele, prejudicando toda a cadeia de valor da produção e distribuição.

Ao combater o compartilhamento de senhas, a Netflix diminuiu consideravelmente a possibilidade de seu conteúdo ser acessado sem ser pago.

Criar percepção de valor sobre o seu produto

O maior desafio da estratégia de marketing da Netflix foi equilibrar a operação de produção e distribuição de conteúdo, próprio e de terceiros com a criação de um mercado consumidor grande o suficiente para permitir ganhos em escala. E essa estratégia foi implementada em etapas.

A primeira etapa da estratégia de marketing da Netflix foi a de criar um mercado, educando o consumidor para que ele criasse o hábito de consumir conteúdo audiovisual por streaming, mas evitando as armadilhas que atingiram fortemente as indústrias do conteúdo jornalístico e musical.

No conteúdo jornalístico escrito, que foi o primeiro a migrar de mídias impressas para a internet, durante muito tempo o conteúdo de jornais e revistas foi oferecido gratuitamente online, para criar a cultura de uso da internet. Mas no momento em que tiveram de pagar por esse acesso, muitas não aceitaram pagar por uma assinatura como pagavam por jornais e revistas em uma banca de jornais.

Por essa razão, e pelos próprios meios digitais se tornarem concorrentes da mídia tradicional pelas verbas de marketing, a indústria do conteúdo foi duramente afetada.

Outro exemplo foi o caso do conteúdo musical. Com o compartilhamento de arquivos iniciado pelo Napster, no início dos anos 2.000, a grande maioria das pessoas parou de comprar músicas, e passou a trocá-las. Essa fase foi superada pelo surgimento de plataformas de veiculação musical como o Spotify e Apple Music.

Embora elas remunerem os detentores dos direitos autorais das músicas, artistas ou gravadoras, os valores são ínfimos, irrisórios se comparados à época em que se comercializavam mídias físicas. Daí a frase atribuída ao vocalista do Iron Maiden, Bruce Dickinson : “antes eu vendia discos. Hoje vendo camisetas”, além de cervejas, meet & greet, etc…

Estratégia de Marketing da Netflix conseguiu ir da expansão do mercado ao lucro operacional.

a Netflix criou um modelo de negócios em que entende seu conteúdo como um ativo de valor, que não pode ser simplesmente distribuído gratuitamente. Ela começou cobrando preços acessíveis, que não afastassem a grande maioria dos consumidores. E foi aumentando essa base até poder se tornar o produto de maior valor no mercado.

Mas não se pode aumentar preços sem oferecer ao cliente a sensação de que o que é entregue está de acordo com o valor pago. Ou seja, expectativas precisam estar alinhadas.

A Netflix conseguiu criar uma experiência em que a percepção do valor do cliente é positiva, da qualidade da transmissão online ao algoritmo que sugere novos conteúdos. Ou seja, as expectativas entre o que foi vendido e o que é entregue estão alinhadas.

Uma prova de que o consumidor aceita pagar para ter uma boa experiência consumindo vídeos na internet é o Youtube. Dos seus 2,5 bilhões de usuários no mundo, 4%, o que corresponde a 100 milhões de consumidores, assina a modalidade paga da plataforma, o Youtube Premium.

Foco no negócio é o segredo do sucesso da Estratégia de marketing da Netflix

Ao mesmo tempo em que a Netflix deu boas notícias aos seus acionistas, sua concorrente, Disney, deu muitos sustos, após dar a impressão de que iria dominar esse mercado com relativa facilidade, quando anunciou que assumiu a liderança do número de assinantes de streaming no mundo, a Disney apresentou um considerável prejuízo, que ela parece ter conseguido reverter.

Mas vale a pena analisar onde a Netflix acertou e a Disney errou naquela situação. A primeira é que toda a situação ocorreu durante a pandemia, algo que mudou o comportamento dos consumidores e tem consequências até hoje.

Mas na Guerra do Streaming, o acerto da estratégia de Marketing da Netflix foi se focar no seu negócio, vender assinaturas, enquanto o erro da Disney foi dividi-la em dois focos diferentes, que muitas vezes podem ser mutuamente excludentes, levar as pessoas às salas de cinema e vender assinaturas do Disney +.

Durante a pandemia, e até algum tempo depois a Disney lançava um filme e menos de 3 meses depois ele estava disponível no Disney plus.

Em uma situação em que os ingressos são caros, e um programa para a família, incluindo pipoca, refrigerantes, estacionamento e outros gastos do passeio, como um lanche após a seção podem ser bem altos, os consumidores acabavam desencorajados de irem às salas de cinema para verem um lançamento que sabiam que dali a 3 meses estaria disponível no Disney +, sem nenhuma necessidade de desembolso extra.

Mesmo que essa estratégia trouxesse mais assinantes, quando comparamos o valor de uma assinatura, mesmo que a receita ficasse integralmente para a Disney, ao contrário de um ingresso de cinema, não era difícil perceber que a conta não fechava, e o prejuízo era esperado.

É razoável afirmar que um filme chegar ao streaming era como quando ele chegava às locadoras de vídeo anteriormente. Isso só acontecia quando aquele produto já tinha cumprido toda a sua trajetória nas salas de cinema, não havia mais pessoas dispostas a pagar ingressos por ele e por isso mesmo, não havia mais salas de cinema dispostas a exibi-lo.

E ao chegar às locadoras, ele estava inserido em outra jornada de compra do consumidor, que não buscava mais o entretenimento fora de casa, mas dentro!

Todo o investimento da Netflix foi feito pensando em atrair consumidores para o que ela tinha para vender, assinaturas, enquanto a estratégia da Disney fazia com que um produto canibalizasse a receita do outro, afetando os resultados da empresa como um todo.

Conclusão

A estratégia de Marketing da Netflix se mostrou eficiente, e ela é a vencedora da Guerra do Streaming até o momento em que publicamos esse artigo. Mas a única conclusão a que podemos chegar é que devemos continuar prestando atenção, pois nessa disputa, além da Disney, que criou a indústria do entretenimento como a conhecemos hoje, existem outros gigantes, como a Amazon.

Gigantes podem cometer erros, como a Disney cometeu. Mas eles aprendem com esses erros. O grande paradoxo das grandes corporações na era da transformação digital é que o ambiente de negócios exige mudanças e adaptações muito rápidas. E corrigir a estratégia de marketing de gigantes é como manobrar um transatlântico!

Leva um tempo para podermos perceber a mudança da rota, mas quando se chega ao caminho certo, o avanço pode ser avassalador!

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