5 lições que a sua marca pode aprender com o Gracie Jiu Jitsu

5 lições que a sua marca pode aprender com o Gracie Jiu Jitsu

Quando pensa em Jiu Jitsu, a grande maioria das pessoas imediatamente associa com a arte marcial cujos praticantes usam quimono e é muito utilizada em lutas de MMA, especialmente o mais popular evento dessa modalidade, o UFC.  Mas o que poucos prestam atenção é que o Jiu Jitsu também pode ser visto como um dos produtos e marcas criados no Brasil mais conhecidos no mundo.

Segundo o mestre Roberto Barão, faixa coral 7º grau, praticante da Arte Suave há mais de 50 anos e que tem hoje cerca de 500 alunos em 14 academias, inclusive alguns projetos sociais, existem hoje cerca de 500 mil praticantes do Gracie Jiu Jitsu ou Jiu Jitsu Brasileiro no Brasil, e pelo menos 200 mil espalhados por quase todos os países do mundo.

A estimativa é realista. Todos os meses são feitas no Google pelo menos 110.000 buscas pelo termo Jiu Jitsu no Brasil, 201.000 nos Estados Unidos, 33.100 no Reino Unido e 22.100 na França e Canadá, respectivamente. O total de buscas mensais no Google ultrapassa 500 mil no mundo, e se contarmos as buscas por palavras correlatas, como Gracie Jiu Jitsu, Brazilian Jiu Jitsu ou BJJ, além de outras variações, são mais de 1 milhão e cem mil buscas por mês.

Essa demanda pela arte marcial criada pela família Gracie é atendida  em 2.000 academias espalhadas pelo Brasil e pelo menos mais 1.000 no mundo, onde ensinam professores brasileiros ou estrangeiros formados por eles. Segundo Barão, que já formou mais de 100 faixas pretas, dos quais pelo menos 30 têm suas próprias academias e alunos, o Jiu Jitsu Gracie é ensinado nos Estados Unidos, Japão, países árabes, Europa, África e Oceania.

Uma mentalidade empreendedora e o bom uso de técnicas de marketing, mesmo que de forma intuitiva, fez com que uma arte marcial cuja prática estava quase toda concentrada no Rio de Janeiro até o início da década de 1990 ganhasse o Brasil e o mundo de forma orgânica, em menos de 30 anos, e fosse ainda diretamente responsável pelo surgimento de outras modalidades de esporte de luta muito populares, como o MMAMixed Martial Arts.

O que se pode aprender analisando o crescimento do Gracie Jiu Jitsu, e como isso pode servir para qualquer negócio.

1 – Entender as dores e motivações dos seus consumidores.

Em marketing, quando falamos em entender as “dores” das pessoas para formatar o produto que vamos criar e como  comunicar a sua existência a elas, estamos falando de compreender os problemas que elas têm em um determinado momento de vida, e quais atitudes tomam para resolver esses problemas, que chamamos genericamente de “dor”. É a resolução dessa dor que direciona toda a jornada de compra de um produto ou serviço,

Quando falamos na prática de uma arte marcial, com certeza são importantes benefícios de saúde física e mental que muitos esportes trazem, como o fortalecimento e condicionamento físico, competição, concentração, disciplina, e alívio do estresse. Mas o que diferencia uma arte marcial de outros tipos de esporte ou atividade física é a questão da defesa pessoal. É nesse ponto que o Jiu Jitsu brasileiro soube promover muito bem seus benefícios.

Uma pessoa preocupada com a defesa pessoal não deseja ter o poder de agredir alguém, mas sim, de ter a capacidade de, em caso de agressão, ter como se defender. Essa capacidade de defesa dá ao praticante de arte marcial o sentimento de autoconfiança, de segurança. E é justamente por entender que esse era o benefício que a maioria das pessoas procurava que o Gracie Jiu Jitsu soube se promover tão bem.

Faça seu posicionamento de marca de acordo com a dor que seu produto resolve.

Entendendo o que as pessoas queriam de uma arte marcial, o Gracie Jiu Jitsu posicionou a sua marca como sendo a mais eficiente para a defesa pessoal. Era um posicionamento que trazia o seu risco, porque colocava em dúvida, comparativamente, a eficiência de outras técnicas de luta corpo a corpo. Mas os criadores do Jiu Jitsu brasileiro, Carlos Gracie e Hélio Gracie, não tinham receio de se colocar à prova contra mestres de outras artes marciais.

Eduque seu consumidor sobre os benefícios de seu produto

A melhor maneira de se comprovar o benefício de um produto é fazer com que o público possa testemunhá-lo. Através do Desafio Gracie, Carlos, e principalmente Hélio, que não tinha um porte físico impressionante, e havia aperfeiçoado a técnica para que ela funcionasse para quem era fisicamente mais fraco, aceitava e vencia a maioria dos desafios. Consta que Hélio Gracie só perdeu duas vezes. Uma contra um de seus próprios alunos, Waldemar Santana, e outra contra o japonês Massahiko Kimura.

A luta com Kimura aconteceu em 1951, perante um Maracanã lotado de brasileiros torcendo por Hélio Gracie, que aos 38 anos de idade enfrentava um dos melhores judocas da história do Japão, um atleta que além da excelente técnica que possuía, era mais jovem, mais forte e mais pesado. Era uma luta praticamente impossível de vencer, que Hélio Gracie fez durar longos 18 minutos. Apesar de ter perdido a luta, provou a eficiência do seu Jiu Jitsu.

Os lutadores derrotados nos desafios provavelmente não achavam muito simpática a estratégia de desafios da família Gracie para divulgar sua arte. Mas do ponto de vista de marketing, é inegável que funcionava muito bem, já que não havia ruído na comunicação. O que era prometido, uma arte marcial eficiente para a defesa pessoal, era efetivamente entregue. Ou seja, as expectativas e a entrega estavam alinhadas.

Roberto Barão com o Mestre Hélio Gracie – Fonte : Arquivo pessoal.

No que prestar atenção

Em mercados muito competitivos, nem sempre é possível posicionar uma marca como a melhor, diferenciando-a de todas as outras, da maneira que os Gracie fizeram com o seu Jiu Jitsu, por uma série de razões, que variam de mercado para mercado. Mas é perfeitamente possível entender quais são as dores de seu consumidor e ter um produto ou serviço que as resolva.

Conhecendo quem é o consumidor, quais as suas dores, e como pode resolvê-las, um produto ou marca pode alinhar expectativas e criar a correta percepção de valor. Nem sempre o que é melhor para um determinado consumidor é melhor para o outro, mas o que importa é que o público-alvo que decidir atender tenha sensação de que aquilo que está sendo oferecido vale o preço pedido. Ou seja, que a entrega esteja alinhada com a oferta.

2 – Massificação da marca

Apesar da carreira vitoriosa de Hélio Gracie, o Jiu Jitsu Brasileiro permaneceria uma arte marcial para relativamente poucas pessoas, quando comparada a outras mais populares, ou promovidas em narrativas de ficção, pelas décadas seguintes. O grande salto viria com  os filhos de Hélio Gracie, que levaram a arte para fora do Brasil e abriram caminho para que ela fosse praticamente universalizada.

Rorion Gracie, filho mais velho do Grande Mestre Hélio Gracie, que se mudou para os Estados Unidos em 1978, inicialmente replicou a estratégia de seu pai, desafiando e vencendo mestres de outras artes marciais, atraindo assim alunos para as aulas que dava em sua garagem. Durante essa época, além das aulas, Rorion chegou a se manter nos EUA como faxineiro e depois figurante em séries de TV.

O grande salto veio quando Rorion fez um desafio em grande escala, que pudesse ser visto por milhões de pessoas, que poderiam comprovar a eficácia do Jiu Jitsu. Assim, ao lado do empresário Art Davie e do diretor de cinema John Milius foi criado o UFC – Ultimate Fighting Championship, um campeonato entre 8 lutadores, sem limite de peso, tempo e praticamente sem regras. Assim nascia o MMA, que na época era chamado de Vale Tudo.

O objetivo do UFC era que lutadores de diversas artes marciais disputassem esse torneio eliminatório, confrontando suas técnicas para ver qual era a mais eficiente em uma situação real. Para representar o Jiu Jitsu Gracie, Rorion colocou seu irmão Royce Gracie, que como seu pai Hélio, não  era atlético ou tinha um porte físico intimidador, o que comprovaria anda mais a eficiência da técnica da família.

Royce venceu as edições 1, 2 e 4 do UFC. Na edição 3, venceu a primeira luta contra Kimo Leopoldo, mas se machucou e não pôde continuar. Na luta final do quarto evento, levou 15 minutos e 49 segundos para conseguir finalizar o wrestler americano Dan Severn, o que extrapolou o tempo que o UFC havia comprado para a transmissão do evento. A partir daí, foram sendo instituídas as regras e o limite de tempo do MMA como é hoje.

Roberto Barão e o lendário Royce Gracie – Arquivo pessoal

3 – Foco no objetivo do negócio.

A mudança nas regras e no tempo de luta fez com que aos poucos o UFC deixasse de ser uma disputa entre estilos de luta para se tornar um confronto entre atletas que sabem um pouco de tudo, treinando diversas artes marciais, inclusive o Jiu Jitsu. O UFC se tornou um produto de entretenimento extremamente lucrativo, e marca mais conhecida de um novo esporte, o MMA, que hoje atrai milhões de expectadores no mundo.

Como o objetivo de Rorion Gracie era, e ainda é, o de divulgar e promover o Gracie Jiu Jitsu, ele não concordou com a mudança de foco para o entretenimento, e decidiu vender a sua parte no UFC, continuando até hoje bem-sucedido na divulgação de sua arte marcial e da receita de qualidade de vida da família, a Dieta Gracie, em aulas presenciais, livros e vídeos.

Mas o objetivo já havia sido atingido. Segundo Barão, que já era faixa preta nessa época, houve uma era antes e uma depois do primeiro UFC. “Antes, nós tínhamos de provar alguma coisa para alguém. Depois, não tínhamos que provar mais nada.  O Jiu Jitsu é a melhor arte marcial do mundo”. Foi a partir das vitórias de Royce no UFC e de seu irmão Rickson Gracie, considerado o maior lutador de Jiu Jitsu da História, que o estilo ganhou o mundo.

No que prestar atenção

Com o tamanho que o UFC chegou décadas depois, e as cifras que movimenta,  quem olha de fora pode questionar a decisão de Rorion Gracie da sair do negócio. Mas o que qualquer empresa ou marca deve analisar, se um dia tiver que tomar uma decisão semelhante, que seria o de participar de um outro mercado que não é o seu, se a oportunidade aparecer, é “tenho o ‘DNA’, as competências necessárias e o desejo de fazer isso”?

São diversos os casos de empresas que, atraídas pela possibilidade de grandes ganhos, optaram por atuar em mercados que não eram os seus, que não sabiam exatamente como funcionavam e com que tipo de situação teriam de lidar. Algumas dessas conseguiram fazer essa transição e se estabeleceram. Mas outras perderam muito dinheiro antes de começar a ganhar, enquanto outras, só perderam.

Convém sempre conter a empolgação e fazer uma análise SWOT, elencando suas forças, fraquezas, ameaças e oportunidades antes de abraçar qualquer coisa que pareça ser o grande negócio da vida.

Roberto Barão com o fundador do UFC, Grande Mestre Rorion Gracie

4 – Profissionalização traz ganhos

Apesar de Jiu Jitsu e o MMA serem modalidades diferentes, ainda existe uma certa simbiose entre eles. Não somente porque o trabalho da família Gracie para divulgar o Jiu Jitsu originou o MMA que conhecemos hoje, uma indústria que remunera bem os atletas e o staff em torno deles, mas também porque é fundamental um conhecimento ao menos razoável de Jiu Jitsu para ser bem sucedido no MMA.

Então, é considerado natural e até esperado que os melhores atletas do chamado Jiu Jitsu Esportivo desde mais cedo o encarem como uma profissão, se cerquem de uma estrutura profissional e em algum momento façam a transição para o MMA, atraídos pelos ganhos maiores.

Esse espírito de profissionalismo faz parte do Jiu Jitsu hoje. Roberto Barão, por exemplo, considera que ele e outros mestres da arte suave são “filhos” da família Gracie e da arte que eles criaram.  Para ele, professor e lutador de Jiu Jitsu deveriam ser profissões de direito, como são de fato, já que movimentam uma engrenagem de profissionais que inclui também fisioterapeutas, educadores físicos e managers/empresários.

“O Jiu Jitsu coloca pão na mesa de muita gente, inclusive na minha”, conclui o professor.

5 – Gestão de Crise

O UFC foi um sucesso. Mas nem sempre se faz sucesso impunemente. Por um lado, atletas de esportes de luta tinham um evento onde podiam colocar suas habilidades à prova, e os fãs de artes marciais podiam tirar suas dúvidas sobre a eficiência de cada uma delas em uma situação real. Mas pelo outro, muita gente criticou a violência da competição, cujo conceito parecia saído dos filmes de Jean Claude Van Damme, muito populares na época.

Era uma acusação difícil de se rebater, porque apesar de Royce Gracie conseguir finalizar seus adversários sem machucá-los, muitas lutas tinham uma quantidade de sangue que impressionava, e a proposta do UFC era inegavelmente violenta. Se até hoje o evento ainda desperta críticas por esse motivo, quando surgiu e tinha menos regras que hoje, chocou muita gente e atraiu críticas pesadas, quase na mesma proporção em que atraiu fãs.

Outro problema foi que se as vitórias dos Gracie nos octógonos e ringues ajudaram a popularizar o Jiu Jitsu e lotar as academias de alunos, por outro lado o público com menos conhecimento confundia o que era Jiu Jitsu e o que era o então chamado Vale Tudo. Esse crescimento rápido também atraiu gente que fez mau uso das técnicas aprendidas nas academias, que ganharam até uma designação própria, os pitboys, que apareciam com frequência no noticiário da época.

Para lidar com a questão dos pitboys, os professores sérios atuaram para orientar seus alunos a terem as atitudes corretas dentro e fora do tatame, e aqueles que não o faziam era convidados a se retirar da academia. O próprio patriarca do Jiu Jitsu, o Grande Mestre Hélio Gracie, chegou a ir a com dois de seus filhos, Royler e Rolker a um dos programas de maior audiência da TV brasileira, o Domingão do Faustão, para se posicionar sobre o assunto.

No que prestar atenção

Diferentemente do que acontecia nos anos 1990 e início dos anos 2000, em que assuntos polêmicos eram discutidos somente através da mídia tradicional, como jornais, revistas e TV, hoje existem as redes sociais. Mesmo que uma polêmica comece no noticiário jornalístico, o principal termômetro é como ela se desenvolve  nas redes sociais. Os gestores de marcas precisam saber controlar crises nessas duas frentes, que pautam e alimentam uma à outra.

No caso da imprensa, quem faz uma gestão de crise deve entender que o jornalista é um profissional, cujo trabalho é divulgar um fato e eventualmente opinar sobre ele, de maneira positiva ou negativa, porque é isso o que a audiência do veículo jornalístico espera. Além disso, o jornalista segue as leis e a ética de sua profissão, e juntamente com o veículo, é responsável pelo que publica. Eles não devem ser tratados como inimigos por quem recebe uma crítica.

Por outro lado, na era das redes sociais, qualquer pessoa é em tese um editor. Mas, ao contrário de um jornalista que deve buscar a objetividade, analisar vários lados e dar voz à várias fontes, o usuário de redes sociais é uma pessoa comum, que expressa opiniões, sentimentos e principalmente, opiniões baseadas em sentimentos. Ou seja, ele tende a repercutir com mais força uma notícia que reforça suas próprias opiniões e sentimentos.

Lidar com crises de imagem tem procedimentos específicos para imprensa e redes sociais. E a pior estratégia possível é fingir que nada está acontecendo e esperar que o problema passe sozinho, porque mesmo uma pequena crise pode viralizar nas redes sociais, e se tornar incontrolável.

Na época em que os pitboys eram um problema, redes sociais ainda não existiam, mas havia o complicador de que ninguém tinha como controlar o que acontecia em todas as academias, e muito menos se responsabilizar pelas atitudes de centenas de professores e milhares de praticantes. E havia o risco de a imensa maioria pagar pelas ações de um pequeno grupo.

Na ausência de um comando unificado, como seria o caso de uma empresa, cujo porta voz ou até o CEO se pronunciam em momentos de crise, as pessoas que tinham autoridade moral para falar pelo Jiu Jitsu, o mestre Hélio Gracie e seus filhos, foram a público se posicionar, não para negar que o problema existia, mas para mostrar que havia um outro lado da questão, e que o Jiu Jitsu não merecia ser julgado somente pelas ações de alguns arruaceiros.

Esse case pode ser usado como referência por qualquer marca que passe pela situação de ser amada pelo seu público-alvo e atacada por um outro grupo, uma situação cada vez mais comum, especialmente quando as marcas decidem que o seu posicionamento de marca inclui um propósito.

Marcas terem propósito, algo que elas fazem para melhorar o mundo, é louvável e recomendável . Mas, sem fazer juízo de valor, muitas vezes o que pode ser considerado melhorar o mundo para um determinado público pode não ser para o outro, e ao se posicionar sobre o assunto, a marca  deve estar ciente de que não só não agradará a todos como pode se tornar o pivô de discussões acaloradas em rede social.

Nesse cenário, nunca é prudente apostar no “falem mal, mas falem de mim”. A postura mais correta da marca é criar e divulgar conteúdos e informações com os seus valores e pontos de vista, para que os seus próprios fãs tenham os argumentos para defendê-la.

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